Estado omisso, polícia gananciosa e vidas perdidas. Prazer, sou a Rota 66!


Criada para combater guerrilheiros, a ROTA assumiu o posto de matadora para a autopromoção de seus membros 

Publicado em 1992, ‘Rota 66: a história da Polícia que Mata’ mostra, pela visão do autor, Caco Barcellos, a abordagem brutal da polícia contra a população negra do Brasil. O caso com maior destaque foi a perseguição a três jovens, da classe média de São Paulo. Francisco Noronha, Augusto Junqueira e seu amigo Pancho eram frequentadores constantes do clube Pinheiros, na cidade. 

Após um acerto de contas, os jovens foram pegos pela Rota 17 e, em poucos minutos, o roubo de um toca fitas se transformou em uma perseguição perigosa, envolvendo vários carros da PM e a então temida Rota 66. O fusca de Noronha, de 17 anos, virou alvo dos policiais que tinham o objetivo de aniquilar os supostos criminosos. Durante a trama, o carro dos meninos colidiu contra um poste e o motorista, gritando por piedade, foi silenciado pelo barulho da metralhadora da Rota 66. O carro foi alvejado por uma quantidade absurda de tiros dos policiais que tiraram a vida daqueles meninos. 

Durante anos, esse cenário foi se repetindo entre os anos 70 até meados da década de 1990. A chamada de Rota Ostensiva Tobias de Aguiar (ROTA) fazia a escolha de suas vítimas, perseguia e matava, mesmo sem motivo. Bastava ser pobre e negro para que os “heróis” entrassem em ação para alimentar essa realidade absurda e cruel. 

E tudo se repetia de novo e de novo. A história contada era, e é, sempre a mesma. Abordam alguém “suspeito”, ele foge ou reage a situação, a polícia atira e fim. Os sortudos ainda tinham a oportunidade de serem socorridos e levados ao hospital, mas nem sempre saiam bem, ao contrário da PM que ganhavam o palanque de “herói e protetor fiel” da sociedade de elite. 

A ROTA tinha como marca a Veraneio Vascaína e o histórico de mortes mais elevado do que nos tempos de ditadura. Essa perseguição tem o cenário das ruas do centro de São Paulo, e o desfecho mais absurdo que já li. Após muitas indicações desse livro, logo que comecei já esperava o que iria encontrar, mas não de forma tão chocante. A indignação de ver tudo acontecendo e sendo contado aos mínimos detalhes foi, com o tempo, me deixando enojado e assustado. Conforme a leitura ia fluindo, a minha cabeça imaginava todas aquelas cenas, principalmente, a perseguição de abertura. Era como se eu conseguisse sentir a aflição daqueles meninos e, muitas vezes, sentir que estava no lugar deles. 

A forma como Caco Barcellos vai descrevendo a polícia, ao longo do livro, vai tendo um peso ainda maior. Todas as vezes que ele falava que os “matadores” estavam atentos e chegando perto, um arrepio me tomava por inteiro. Tudo isso me causava um mix de medo e repulsa ao sistema policial que, até hoje, faz esse tipo coisa. 

Outra coisa que me chamou muito a atenção foram os registros colocados no livro, os marcadores fiéis daquela época e que, também, nos fazem refletir que nada mudou desde então. O alvo dos “matadores” era bem localizado, tinha renda salarial muito baixa, idade e, o fator principal, a cor da pele. 

Caco apresenta o livro como uma verdadeira reportagem investigativa, através de anos de pesquisas e vivências jornalísticas pelas quais passou. E o que me deixa em “estado de alerta” é que, após 30 anos da publicação do livro, as ações da PM (e suas ramificações) não mudaram em praticamente nada. 

A mesma história acontece ano após ano, vítima atrás de vítima, de novo e de novo. Acredito que a idealização da PM não seja ruim, mas a maneira como “prestam” seus serviços sim. Sempre atuando de forma brutal e preconceituosa, seja homem seja mulher. A população negra do país é alvo das pessoas que deveriam nos proteger. Caco Barcellos deixa explícito que em seu banco de dados particular, os jovens são as maiores vítimas dessas atrocidades. 

O único problema é que a história só é contada por quem cometeu o crime e, infelizmente, não temos o outro lado para contar. É difícil encontrar policiais que falam que são contra a atuação de seus parceiros de profissão, contestar os fatos de seus chefes, então, fica fora de cogitação. 

No final do livro, o sentimento que tive foi de que faltavam páginas. Os casos de investigação da ROTA 66 não tinham solução. Casos foram abertos para a investigação da ROTA, por pressão de familiares das vítimas, mas terminaram sem um desfecho. Anos de atrocidade incentivada pelo Estado terminou sem culpados. Senti que parte da sociedade é carente de justiça, por saber que o Estado foi omisso no passado e que os homens que deveriam proteger, assumiram a vontade de matar para satisfazer seus egos e conseguir crescer através de mortes de inocentes ou daqueles que mereciam o julgamento justo da sociedade.

Resenha de Felipe Soares

Até a próxima!
Equipe CN.

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