Autocrônica adolescente: Quase Famosos e o que Crowe retrata sobre si


Os anos 70 foram envoltos de cores, rock'n'roll e juventude. Seria o sonho de muitos adolescentes da época estar no meio artístico, conhecer seus ídolos, dançar em shows. Isso fez parte da história de Will, ou melhor, de Cameron Crowe. E ele conta tudo isso em Quase Famosos, de 2000. É comum que roteiristas usem de suas próprias experiências para criar uma narrativa familiar, como é o caso de Lady Bird (de Greta Gerwig), Dor e Glória (de Pedro Almodóvar) e Minha Mãe é uma Peça (de Paulo Gustavo). Mas nenhuma dessas histórias seria tão envolvente se não fosse uma pitada de ficção. É como uma crônica em um jornal: a essência é verdadeira, mas a narrativa só ganha o coração do leitor após a intervenção criativa do autor. Assim, Crowe traça uma crônica sobre sua própria adolescência fora do comum, mas retrata todas suas inseguranças e desejos na imagem de um alter ego, Will.
Angarano, Fugit e Crowe até tem certa semelhança, mas o que faz deles
reflexos um do outro são os sinais de ingenuidade com sinceridade
 

William Miller, interpretado por Michael Angarano e Patrick Fugit, é um garoto de 15 anos, nos anos 70, que sonha em ser jornalista e crítico musical. Apaixonado por rock, se atreve a enviar seus textos a revistas esperando publicação. Até que, um dia, a até hoje renomada Rolling Stone propõe que o menino parta em sua maior aventura: acompanhar a banda Stillwater em turnê e redigir uma grande reportagem sobre o grupo. Mas, para aceitá-la, ele precisa se desapegar da escola, família e ainda se dizer mais velho do que é. O mundo de sexo, drogas e rock'n'roll seria um deleite a qualquer rapaz da sua idade, mas Will "é muito doce para o rock'n'roll". Ainda novo e ingênuo, ele é o tipo de pessoa que observa. Não diria que ele é tímido, mas participar de todas as loucuras da juventude não faz parte dele. O garoto é cheio de uma inocência, provavelmente fruto da superproteção materna, que o faz alheio a selvageria que presencia. Por outro lado, ser reservado e observador o garante que entenda e conquiste a confiança das pessoas, como um passe livre de entrada a suas vidas pessoais. 

Colegas de Crowe relatam que, em sua adolescência, o diretor não era toda essa ingenuidade que retratou. Mas imagino que, olhando para trás, seja assim que ele se enxergue: um garoto deslumbrado pelo "mundo lá fora", querendo impressionar ídolos e garotas, mas sendo muito mais impressionado por eles. Mas quem não seria assim se convivesse com Led Zeppelin, The Who e Lynyrd Skynyrd? Essas foram algumas das grandes bandas que Crowe acompanhou e que inspiraram a fictícia Stillwater, assim como muitos trechos do longa. 

Entre as descobertas de Will, está o primeiro amor; a divertida e atrevida Penny Lane
O filme é repleto de referências e Easter Eggs acerca da cultura daqueles anos - uma caça ao tesouro para os amantes da década. Outras personagens também carregam origens reais, como é o caso da tiete Penny Lane, baseada em Bebe Buell. Já o crítico e mentor de Will, Lester Bangs, existiu e quem o conheceu elogia o trabalho do ator Philip Seymour Hoffman em sua interpretação. 

Sob o ponto de vista de Crowe, uma das mais emblemáticas décadas do século passado tem um quê saudosista e, ao mesmo, tempo debochado. O humor dá conta de tirar sarro das crenças da época, mas o enredo e estética trazem a nostalgia de sua adolescência. É claro que como principal elemento para isso está a trilha sonora intensa, com destaque para as diversas canções de Led Zeppelin. Muitas das músicas ainda brincam com o enredo, como Tiny Dancer, do Elton John, provável faixa mais marcante do filme.

É dito que a cena no avião é baseada em uma experiência real de Crowe com a banda The Who

Entre toda essas músicas e emoções, Will descobre o romance, a rebeldia, a coragem e Cameron Crowe mostra ao mundo o que descobriu sobre si. Uma obra tocante e divertida que aflora a juventude de qualquer um. Quer conhecer um pouco mais sobre esse filme, elenco e, ainda, curiosidades sobre a produção? Então não deixe de ouvir este episódio do SE7ECast.


#PraCegoVer

Imagem 1: Fotografia de Michael Angarano, Patrick Fugit e Cameron Crowe. Os três estão lado a lado apoiados com as costas no capô de um táxi amarelo. Eles sorriem e cada um acena com a mão esquerda. Michael é magro, de cabelos castanhos e aparenta ter 11 anos. Veste camiseta branca com três faixas vermelhas horizontais, bermudas curtas xadrez em marrom e azul, meias esportivas brancas e sapatos marrons. Fugit é um adolescente de cabelos castanhos que cobrem as orelhas. Veste camiseta branca, calças jeans e sapatos marrons. Crowe é um homem de meia-idade e cabelos castanhos. Veste camiseta preta com escrituras em branco sobreposta por uma camisa cinza de mangas dobradas, calças jeans e tênis branco. 

Imagem 2: Cena do filme Quase Famosos. Will e Penny Lane assistem a um show dos bastidores. Estão lado a lado observando ao longe com sorrisos sutis. Will veste camisa xadrez em salmão, uma jaqueta marrom, bolsa a tiracolo e calças jeans. Ele segura um caderno de anotações e uma caneta nas mãos. Penny Lane é uma garota alta e magra, de cabelos loiros encaracolados. Veste cropped de alcinhas de renda branca, saia preta de veludo e colares dourados no pescoço. Ao fundo, o cenário é escuro e esfumaçado e há um andaime metálico. 

Imagem 3: Cena do filme Quase Famosos. Will e a banda caminham em uma pista para entrar em um avião, que está ao fundo. Will é o único que não está de costas para a câmera. Ele veste uma camiseta branca sobreposta por uma flanela xadrez em verde e azul, bolsa a tiracolo e óculos escuros em estilo aviador. Ao menos seis outros homens caminham atrás dele. Todos usam calças jeans, jaquetas e carregam bolsas. O avião é um turbo-hélice branco.

Até a próxima!

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