Prisioneiras: um retrato da solidão das mulheres detentas

O livro apresenta histórias de mulheres que entraram para o crime, na maior parte das vezes, não por escolha própria 

“Prisioneiras” é o terceiro livro de Drauzio Varella sobre o sistema carcerário no Brasil. O trabalho teve início em 1989, quando Varella começou a trabalhar como médico voluntário no Carandiru, extinta Casa de Detenção em São Paulo. O primeiro da trilogia foi intitulado “Estação Carandiru”, publicado em 1999; o segundo, “Carcereiros”, em 2014 e, o último, “Prisioneiras”, em 2017. Os livros retratam os anos em que atuou nas clínicas das penitenciárias, histórias dos funcionários, dos detentos e do funcionamento das prisões. 

O último livro da trilogia é o resultado dos onze anos de atendimento na Penitenciária Feminina da Capital. Varella conta as histórias das detentas. A cada capítulo, novas situações são relatadas. Apesar de nomes diferentes, as histórias têm algo em comum: mulheres que entraram para o crime como forma de sobrevivência ou foram forçadas a entrar. Muitas acabam seguindo esse caminho por influência masculina. Os relatos mais chocantes são das mulheres que foram presas porque fizeram algo por seus companheiros, como levar drogas para os que estavam presos ou assumir os negócios após a prisão do parceiro. 

A penitenciária que abriga cerca de duas mil detentas, das quais a maioria nasceu em lares precários, sem estabilidade financeira e sem garantia de uma vida digna. O autor traz muitos questionamentos em como o meio externo ao qual estamos inseridos pode influenciar nosso comportamento e decisões. O livro também expõe a situação em que as mulheres vivem dentro da penitenciária, o que elas fazem para sobreviver, quais trabalhos podem ser realizados, a condição das celas e da alimentação, as relações íntimas e de poder. Assim como o Primeiro Comando da Capital (PCC) está presente nas penitenciárias masculinas, também está nas femininas. O PCC está presente por meio de mulheres que fazem parte da facção. Regras devem ser obedecidas, mesmo que não estejam oficialmente na lei e há uma hierarquia que precisa ser respeitada. 

No entanto, as penitenciárias femininas guardam algumas particularidades. A primeira que chama a atenção é a escassez de visitas. As famílias não aceitam uma mulher presa. Seja mãe, esposa, irmã seja filha. São esquecidas quando estão atrás das grades. Ocorre, em contrapartida, o oposto nas cadeias masculinas: filas são formadas desde a madrugada no dia de visitas. Mas, nas cadeias femininas, as visitas, quando ocorrem, são apenas nas primeiras semanas, depois elas precisam encontrar sozinhas meios de sobrevivência. 

A segunda particularidade que merece destaque é a forma de relação das prisioneiras. Enquanto nas cadeias masculinas relacionamento homossexuais não são aceitos, nas femininas é naturalizado. Seja por carência afetiva ou por se sentirem mais seguras com suas parceiras na cadeia do que em lugares públicos, devido ao preconceito da sociedade, como muitas relatam. 

Nenhum julgamento ou juízo de valor é utilizado por Varella, são apenas relatos de sobreviventes. Com uma linguagem clara e franca, por vezes, chocante o leitor. É possível sentir a dor das detentas, mas também de Drauzio, que tenta atender da melhor forma possível aquelas que quase nunca são ouvidas. É uma leitura que nos tira da zona de conforto e nos leva a realidades inimagináveis de mulheres que sobreviveram a estupros, crimes, perda de filhos e família, e ao sistema carcerário. 

Drauzio Varella nasceu em São Paulo, em 1943. É formado em medicina pela USP, foi voluntário na Casa de Detenção de São Paulo (Carandiru) e na Penitenciária Feminina da Capital. Seu livro “Estação Carandiru” ganhou o prêmio Jabuti nas categorias Reportagem e Livro do Ano de Não Ficção. É autor de “O médico doente” (2007), “Por um fio” (2004), “Nas ruas do Brás” (2000), entre outros. 

Resenha de Ana Clara Marcondes

Ficha técnica
Título: Prisioneiras
Autor (a): Drauzio Varella 
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2017
Páginas: 272

Até a próxima!
Equipe CN.

0 comentários