Educação acessível para todos

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Por lei, a educação é um direito de todos, mas essa nem sempre é a realidade 

A inclusão de alunos com deficiência auditiva e visual (comunidade abordada por esta série) nas instituições de ensino público segue sendo um desafio. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (n° 9394/96) no artigo 3, inciso I, prevê “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”. Mas a realidade é que nem todas as instituições estão preparadas para receber e manter esses alunos. 

Segundo dados do Censo Escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), entre 2014 e 2018, o número de matrículas de estudantes com necessidades especiais cresceu 33,2% no país. Em 2014, especificamente, eram 886.815 alunos com deficiência, altas habilidades e transtornos globais do desenvolvimento matriculados nas escolas brasileiras. 

O Plano Nacional de Educação Especial (PNEE) e a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), de 2015, têm como proposta incluir os alunos com deficiência junto dos alunos não deficientes. No entanto, sem adentrar muito neste assunto, o PNEE sofreu alterações. O governo federal editou, em 30 de setembro de 2020, o decreto n° 10.502. A alteração retrocede alguns direitos já garantidos sobre a escolarização inclusiva das pessoas com deficiência. 

Símbolo Libras | Arte CN
Em relação às deficiências auditivas e visuais, o pedagogo e especialista em Educação Especial e Inclusiva, Artur Batista de Oliveira Rocha, comenta que “na maioria das escolas há poucos ou nenhum profissional que saiba se comunicar pela Língua Brasileira de Sinais (Libras) e, para os deficientes visuais, ocorre a questão com o sistema Braile (...). Para ambas deficiências existem uma gama enorme de materiais adaptados com softwares e muitas vezes não chegam às escolas”. 

A falta de profissionais capacitados nas instituições para atender os alunos é uma das realidades que as pessoas com deficiência enfrentam. “A maioria das capacitações dos docentes envolvendo a educação especial aborda temas associados à deficiência intelectual, no qual se discute a importância da inclusão e como trabalhar os conteúdos do ano letivo com esses alunos. O ideal seria capacitações envolvendo todos os tipos de deficiência e ensinar o professor a trabalhar com esses alunos promovendo cursos de Libras, Braile, etc; além de oferecer um suporte a esse professor para que ele possa discutir os casos de sua turma com especialistas da área e outros professores”, explica Rocha. 

O pedagogo reforça, ainda, que “é necessário oferecer capacitações de qualidade aos professores e contratar profissionais especializados que atuem auxiliando dentro da sala de aula esses alunos, assim como materiais específicos para estas deficiências, como computadores e seus respectivos softwares, materiais para alfabetização em Libras e Braille”. 
“É um direito constitucional que todos os alunos (com deficiência ou não) tenham educação de qualidade. A promoção da convivência entre esses alunos traz aspectos positivos como autonomia e desenvolvimento socioemocional e psicológico” – cita o pedagogo 
Além de professores capacitados, é necessário que as instituições, desde o ensino municipal, estadual ao superior, organizem-se e ofereçam espaços adequados e programas de ensino, a fim de promover oportunidades de aprendizagem, inclusão e permanência dessa comunidade nesses espaços. 

Realidades opostas 

A falta de preparo de algumas instituições de ensino fez com que Franciszek Monteiro Santana, 25, surdo, trancasse o curso na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) do campus Cornélio Procópio. “No início do semestre tinham dois intérpretes, um pela manhã e outro pela tarde. Consegui fazer todas as atividades, mas, no próximo semestre, o diretor mandou o fechamento da contratação de intérprete e não pude acompanhar as aulas sem intérprete pela manhã. Então, decidi trancar a matrícula e isso faz uns dois anos e meio”. 

Santana comenta que conseguiu obter um pouco de experiência no início do semestre, mas relata que a maior dificuldade foi quando ficou sem o intérprete presente. Disse ainda que “queria muito ter adaptação e acessibilidade para surdos em qualquer universidade”. 

Anderson Henrique de Alcântara, 22, estudante de Letras-Português na Universidade Estadual de Londrina (UEL), nasceu com glaucoma e conseguia enxergar com óculos até os sete anos, por isso entrou no primário com materiais ampliados. Mas concluiu utilizando adaptação em Braile ou alto-relevo. “Ao passar do tempo, fui frequentando o ensino regular, a escola junto com as outras pessoas, e o ensino de apoio, onde eu aprendi o Braile, o Sorobã e a orientação e mobilidade (disciplina que ensina a andar com a bengala), jogava goalball, esporte próprio para cegos, entre outras atividades”. 

Agora na universidade, Alcântara tem o apoio do Núcleo de Acessibilidade (NAC), que o auxilia na adaptação dos materiais e orientação dos professores. “No meu caso, o NAC realiza a adaptação dos materiais, dialoga com os professores em momentos em que eles não sabem como me passar o conteúdo, além da busca por acessibilidade em todo o campus da universidade, o que é muito importante, já que há muitos lugares na UEL difíceis de andar. O NAC também teve uma importante participação nesse momento de ensino remoto, já que buscou tornar acessível os programas disponibilizados pela UEL”. Ele conta que é feliz na universidade. 

Para Alcântara, as maiores dificuldades foram no início, visto que seus pais e professores não sabiam como seria o aprendizado, mas todos foram buscando mais conhecimento e, com o apoio do Instituto Roberto Miranda, o ensino foi ficando mais fácil. Ele acredita que é necessário cobrar das autoridades recursos para a acessibilidade e combater o preconceito. 

“Com um piso tátil, rampas e outros recursos acessíveis, as pessoas com deficiência terão mais acesso e autonomia, duas coisas importantes para o ser humano, com deficiência ou não. É importante, também, conscientizar as pessoas, já que há, ainda, muito preconceito para com as pessoas com deficiência, em particular os cegos. Uma forma de combater esse preconceito é mostrando que os cegos são cidadãos como todos os outros, por esse motivo ele tem direito de estudar, trabalhar e andar onde ele quiser”, finalizou. 

Os alunos aprendem a ler e escrever o Braile manualmente e com o auxílio de máquinas especiais, pois facilita a interação com livros e outros materiais de estudo | Foto: Instituto Roberto Miranda

Institutos na cidade de Londrina 

O Instituto Roberto Miranda trabalha para uma formação integral voltada para pessoas com deficiência visual, por meio de ações que os auxiliem a superar as barreiras físicas e insira-os na sociedade. São realizadas ações como: oferecer condições adequadas para o desenvolvimento do aluno, orientação familiar e comunitária, a fim de contribuir com o contexto onde esse aluno está inserido, estimular potencialidades e oferecer programas de educação profissional, com o objetivo de auxiliar na inserção em escolas regulares e no mercado de trabalho. 

Há, também, o Instituto Londrinense de Educação de Surdos (ILES), que surgiu em 1959, com cinco alunos. Atualmente, a instituição conta com profissionais fisioterapeutas, psicólogos, assistentes sociais, neuropediatras e outros. No ano passado, em 2019, o ILES completou 60 anos e é referência em educação e saúde para surdos, atendendo desde a educação infantil ao ensino médio e oferecendo outras atividades como contação de histórias, curso de Libras para pais, funcionários e comunidade, entre outras ações. 

Ser integrante da sociedade, com a ajuda de familiares, professores capacitados e instituições, as pessoas com deficiência auditiva e visual podem vencer o trajeto da educação dia após dia. Afinal, a educação é um direito de todos. Além de incluir, é preciso oferecer mecanismos para a permanência dessa comunidade nas instituições de ensino. Diversidade, respeito, autonomia e inclusão são elementos que a educação deve proporcionar. 

No próximo e último episódio da “Série de reportagens: deficiência auditiva e visual”, você irá conhecer algumas iniciativas da cidade de Londrina, desenvolvidas para a comunidade cega e surda.

#PraCegoVer:

Imagem 1: É uma foto ilustrativa. Ao lado esquerdo, há uma mulher branca de cabelos preto e roupas de cor roxa. Ao centro, tem uma criança negra de camiseta amarela e branca. Tem um livro, em cima de uma mesa marrom, representando o sistema Braile. Há uma lousa preta com a frase 'série de reportagens, episódio três, educação acessível para todos'. Tem uma bengala branca. A cor de fundo da ilustração é azul.

Imagem 2: É uma foto ilustrativa, com o fundo azul e o símbolo de libras na cor branca.

Imagem 3: É uma foto com mãos brancas, passando as pontas do dedo sobre os sinais de relevo.

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Reportagem de Ana Clara Marcondes e Luana Souza

Até a próxima!
Equipe CN.

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