Vox, um livro perturbador no qual as mulheres são silenciadas


Situado em um futuro não muito distante, essa distopia trata do fim dos direitos e liberdade das mulheres da América 

Voz. Palavras. Mais de 100 palavras. Choque. Essa é a realidade das mulheres e meninas da nova América, que foram equipadas com uma pulseira de metal que controla a quantidade de palavras emitidas por elas. Por isso, cada palavra deve ser pensada com muito cuidado. “Vox” é uma distopia de Christina Dalcher com muitos questionamentos sobre uma realidade não muito longe da qual vivemos atualmente. Até quando o gênero irá definir posições sociais? Até quando as mulheres serão consideradas o “sexo frágil”? 

A palavra, segundo muitos estudiosos, é capaz de promover grandes mudanças sociais, estando presente na criação ideológica, seja ela qual for. Com isso, a autora, que se inspirou nas marchas feministas que ocorreram pelos Estados Unidos após as eleições de 2016, busca chamar atenção sobre o fato de que somos nós os responsáveis por lutar pela democracia, assim como a liberdade de expressar nossas vozes e direitos. 

Em uma democracia, o direito de expressão é garantido. Mas esse direito foi negado quando o governo de extrema-direita dos Estados Unidos ganha as eleições e instaura uma nova sociedade. A América sofre grandes mudanças, principalmente para as mulheres, que têm seus direitos e liberdades oprimidos. Mais uma vez. Sem direito de trabalhar, de ter uma conta bancária e, também, sem o direito de falar. 

Através de uma pulseira de metal, as mulheres têm suas palavras controladas. É permitido dizer até 100 palavras por dia. Qualquer coisa acima disso, elas recebem um choque elétrico emitido pela pulseira. Para as crianças, meninas, claro, é mais difícil ainda ter que entender que elas possuem um limite de palavras, além de não terem o direito de aprender a ler e escrever. 

“O que as meninas estudam agora? Um pouco de soma e subtração, ver as horas, saber contar o troco. Contar, claro. Devem aprender a contar até cem”. 

Vox é narrado sob a perspectiva da personagem Jean McClellan. Uma neurolinguística que, após as eleições estadunidenses, foi forçada a desistir de sua carreira como pesquisadora, tendo seus trabalhos e pesquisas trancados no escritório do marido. Entre seus estudos, McClellan analisava sobre a afasia, que se refere a perda da linguagem. Como uma ironia do destino, seu conhecimento é recrutado pelo governo para ajudar o irmão do presidente, que perdeu a habilidade de falar depois de um acidente. Ao aceitar o convite para ajudar, a personagem vê a oportunidade como uma chance de lutar pelo poder das palavras, assim como pela educação de seus filhos, principalmente de sua garotinha, Sonia. 

Intrigante e perturbador. Vox consegue prender a atenção do leitor, uma vez que só de pensar na ideia de que a distopia pode estar tão perto de nós, assusta. Outro ponto que chama a atenção é a semelhança da narrativa com o livro “O Conto de Aia”, de Margaret Atwood, escrito em 1985. Uma obra que causa repulsa e perturba na mesma intensidade da obra de Dalcher. 

Ambos os livros trazem a narrativa de uma distopia que se aproxima muito da realidade atual. E o interessante é que um foi escrito em 1985 e o outro em 2018. Nas duas distopias, as mulheres têm seus direitos oprimidos, sua liberdade de expressão negada e o corpo visto como objeto sexual ou de procriação. As narrativas se aproximam, ainda, quando trazem a mesma mensagem: a luta não acabou. Apesar das mulheres terem conquistado muitos direitos, a luta deve ser constante para que distopias como essas não se tornem realidade. 

Voltando ao ambiente de Vox, a narrativa, após a Dra. Jean McClellan aceitar a proposta de ajudar o atual governo, segue levantando uma série de questões importantes. A autora da trama, por meio de sua escrita dura, objetiva e com capítulos curtos, – o que colabora para uma leitura fluida – consegue desenvolver uma história envolvente e perturbadora. O leitor sente a necessidade de descobrir como e se Jean irá conseguir vencer o sistema. 

Christina Dalcher utiliza a primeira pessoa para a sua personagem, possibilitando que os leitores conheçam mais sobre Jean McClellan, desde suas qualidades e defeitos, o que ajuda a compreender suas atitudes. Acima de tudo, a autora mostra o quanto sua personagem é humana. 

Ficção e realidade às vezes se tornam uma só. Vox é um livro que transmite receio, aflição, mas, principalmente, indignação. E acredito que esse último é o elemento principal que a autora quer que seus leitores sintam. Indignação. Para que, assim, possamos nos lembrar que não podemos permitir que ficção e realidade deixem de ser dois para tornarem-se um. 

A minha única crítica para Vox é em relação ao final da trama. Os acontecimentos finais do livro se dão muito rapidamente, o que torna o desfecho confuso. O impacto que foi sendo construído desde a primeira página da trama se perde na última página, justamente por seu final acelerado e, talvez, uma conclusão pouca desenvolvida – o que não diminui a importância da temática abordada pela autora. 

“Antes, cada pessoa falava em média 16 mil palavras por dia, mas agora as mulheres só têm 100 palavras para se fazer ouvir (...). Mas não é o fim. Lutando por si mesma, sua filha e todas as mulheres silenciadas, Jean vai reivindicar sua voz”. 

Vox, assim como outras obras que trazem essa ficção muito próxima da realidade, nos faz refletir sobre qual papel desempenhamos em nossa sociedade e a importância de atentarmo-nos para quem elegemos como nosso representante, ainda mais quando essa figura e seus seguidores querem nos calar. 

Ficha técnica
Título: Vox 
Autor (a): Christina Dalcher 
Tradutora: Alves Calado 
Editora: Arqueiro 
Ano: 2018 
Páginas: 320 
Gênero: Distopia, Romance
Resenha por Luana Souza

Até a próxima!
Equipe CN.

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