Londrina para todos

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Para encerrar a série sobre acessibilidade para pessoas com deficiência auditiva e visual, o Conectados News te convida a conhecer quatro iniciativas de inclusão presentes em Londrina 

No dia 28 de outubro, o Conectados News começou uma série de reportagens sobre acessibilidade para pessoas com deficiência auditiva e visual. A primeira reportagem abordou o lado médico dessas deficiências. Na segunda, discutiu-se a acessibilidade no mundo da cultura e do entretenimento. Na terceira, falou-se de inclusão na área educacional. Esta é a quarta e última reportagem. E tão importante quanto discutir sobre acessibilidade, seja na área que for, é compartilhar iniciativas que já a pratiquem. Mais ainda, conhecer e incentivar para que elas (iniciativas) atinjam cada vez mais pessoas. 

Ao procurar no dicionário o significado para inclusão social, aparecerá: “ato de trazer aquele que é excluído socialmente, por qualquer motivo, para uma sociedade que participa de todos os aspectos e dimensões da vida, isto é, dos âmbitos econômico, cultural, político, religioso etc.” No entanto, mais do que apenas incluir, é preciso pensar na permanência e na qualidade desta em todos os âmbitos da vida. Assim, falaremos sobre quatro iniciativas de inclusão, da cidade de Londrina, para pessoas com deficiência auditiva e visual. 

Núcleo de Acessibilidade da Universidade Estadual de Londrina (NAC) 

Atualmente com 70 estudantes cadastrados, o NAC tem por objetivo “receber a demanda de atendimento educacional especializado de estudante público alvo da Educação Especial e trabalhar estratégias de suporte e orientação que minimizem barreiras de acesso metodológicas, físicas e atitudinais entre outras”, como explicam a psicóloga, atuante no Núcleo desde de 2003, Ingrid Ausec e a também psicóloga, pedagoga, professora do Departamento de Educação e atuante no Núcleo desde 2013, Karen Ribeiro. 

O NAC surgiu em 1991, como Comissão Permanente de Acompanhamento de Estudantes com Deficiência. As psicólogas Ingrid Ausec e Karen Ribeiro explicam que “com a comissão estabelecida, outras demandas passaram a ser encaminhadas e, em 2003, a comissão passou a ser um Programa de Acompanhamento de Estudantes com Necessidades Educacionais (PROENE). Em 2009, houve um decreto para as universidades federais para a criação de núcleos de acessibilidade e, assim, organizamos nossa equipe inspirando nesse modelo”. 

Todos os estudantes da graduação e pós-graduação público alvo da Educação Especial (pessoa com deficiência, transtorno do espectro autista e/ou altas habilidades/superdotação) podem se cadastrar e receber o acompanhamento do NAC, assim como estudantes que estejam com prejuízos significativos para a aprendizagem em decorrência de tratamentos de saúde. O acompanhamento é feito através de reuniões individuais com os estudantes e docentes para conhecimento de cada caso, das dificuldades de cada estudante e para atender às suas demandas do dia a dia da universidade, além do oferecimento de atividades em grupo, cursos, eventos e artigos científicos. 

“Esse acompanhamento é geralmente bimestral. Dependendo do grau de suporte necessário o estudante também recebe o apoio de uma monitora do Núcleo, sob nossa supervisão, que faz contato semanal com o estudante para orientação e auxílio. Os estudantes em acompanhamento recebem uma cópia do ofício encaminhado ao Colegiado de Curso com as orientações individualizadas, assim tem controle sobre o seu caso e pode ter autonomia para discutir a efetivação dos procedimentos. Também fazemos reuniões com os colegiados para discutir as características do acompanhamento de cada estudante e ofertamos atividades de formação. Novas demandas vão sendo avaliadas e resolvidas ao longo do acompanhamento até que o estudante conclua o curso de graduação ou pós-graduação ou seja desligado do acompanhamento”, explicam as psicólogas do Núcleo.
André Alcantara, primeiro à direita tateando o livro/Crédito: NAC
André Alcantara tem 22 anos e está no quarto ano de Letras – Português na UEL. Alcantara nasceu com glaucoma e enxergou até os cinco anos de idade, com a ajuda de óculos. Assim que ingressou na universidade, começou a ser atendido pelo NAC. “Sem o NAC seria extremamente difícil continuar a fazer o curso. Cito um exemplo recente: eu aprendo Libras tátil, no entanto, com o ensino remoto, não foi possível eu ter essa modalidade de Libras; então, o NAC me auxiliou e possibilitou ter essa disciplina através do acompanhamento de uma monitora que foi me descrevendo os sinais. Outros exemplos são a adaptação de materiais para a aula de fonética e transformação de PDF foto em PDF legível”, comenta o estudante. 

Devido à pandemia da Covid-19, os acompanhamentos estão sendo realizados síncrona e assincronamente, através das plataformas de vídeo chamada e por e-mail, além da disponibilização de materiais no site

Igreja Nossa Senhora do Silêncio 

Silêncio que comunica com o coração dos fiéis. A Igreja Nossa Senhora do Silêncio é a primeira Igreja Católica, no mundo, projetada para a inclusão ativa dos surdos nas celebrações. O projeto foi concebido pelo padre Heriberto Mossato e planejado pelo arquiteto londrinense Luiggi Guanizzi. A congregação religiosa Pequena Missão para Surdos existe em Londrina há mais de 30 anos. Durante esse tempo, as missas eram realizadas em uma garagem. Assim, o padre sentiu a necessidade de uma igreja que conseguisse proporcionar a celebração da fé dos surdos de maneira inclusiva.

O acolhimento acontece através de modificações arquitetônicas. Estruturada sobre o vidro, simbolizando a leveza e a transparência; e o concreto, simbolizando o peso e o escuro, a Igreja foi feita de maneira que fosse uma grande janela. Tirando a pessoa do exterior para o interior, para a espiritualidade. Terminada a celebração, esta, fortalecida pela fé, encontrará uma janela que a lançará para vivenciar os grandes desafios da vida. 

Outros detalhes pensados para a imersão completa nas celebrações são o piso vibrante e a iluminação. Através do primeiro, os fiéis poderão sentir a vibração das músicas nos pés. O jogo de luzes é trabalhado para que cada momento da celebração receba seu destaque através da iluminação. Da mesma maneira, a estrutura da Igreja é inclinada a fim de facilitar a visão para o altar. 
Fachada da Igreja Nossa Senhora do Silêncio, localizada na Rua R. Cmte. Carlos Alberto, 222 Jardim – Caravelle / Crédito: acervo pessoal
Jordino Souza Neto é membro da Pastoral da Comunicação da Igreja e explica que “todo o processo de construção da Igreja foi por meio de doação. Foram cinco anos desde o projeto até a construção “terminada” – coloco entre aspas porque ainda faltam alguns elementos para a considerarmos concluída. Nosso projeto sempre aconteceu por etapas e, para cada uma delas, realizamos campanhas promocionais para obter recursos” - as experiências sensoriais previstas no projeto ainda não foram concluídas - ele finaliza falando que “podemos considerar que, com a benção realizada por nosso bispo, Dom Geremias Steinmetz, no dia 26 de setembro deste ano, Dia Nacional do Surdo, nossa Igreja foi oficialmente aberta a comunidade”. 

O protagonismo dos surdos dá-se, também, na composição do corpo da Igreja. Tem-se ministros, coroinhas e acólitos surdos. Pensado depois, mas finalizado primeiro, o oratório da Igreja carrega, também, na sua construção, forte simbologia. Sua ideia é fruto de uma viagem do padre realizada à Terra Santa. 

Seu formato arredondado, formando uma barriga, remete ao ventre de Maria grávida. Jesus está no centro para dizer que é o centro do ventre de Maria, de sua vida, assim como deseja ser de nossas. Já a cruz, com um braço maior, remete ao acolhimento de Jesus. Todos os detalhes foram pensados para a completa imersão espiritual de quem o visita. Fugindo de toda a dispersão e barulho externos para mergulhar no silêncio comunicativo de Deus. 

Matheus Henrique Siqueira Salgado tem 26 anos e é formado em Filosofia. Nasceu com surdez profunda, utiliza aparelho auditivo e, atualmente, consegue ler lábios e falar, com certa dificuldade. Em 2016, Salgado começou a ir à Igreja Nossa Senhora do Silêncio, sentindo-se acolhido desde o início. “Lugar santo para atender a comunidade surda que também é filha de Deus. Lugar que planta sementes para o coração do surdo, de entrega e convivência, segundo o evangelho”. Ele ainda ressalta que “tudo relacionado ao silêncio está unido a Deus”. 

Instituto Roberto Miranda 

O Instituto Roberto Miranda trabalha para uma formação integral voltada para pessoas com deficiência visual, por meio de ações que os auxiliem a superar as barreiras físicas e insira-os na sociedade. São realizadas ações como: oferecer condições adequadas para o desenvolvimento do aluno, orientação familiar e comunitária, a fim de contribuir com o contexto onde esse aluno está inserido, estimular potencialidades e oferecer programas de educação profissional, com o objetivo de auxiliar na inserção em escolas regulares e no mercado de trabalho. 

No Instituto, há alunos com perdas totais e parciais da visão, de modo que se faz necessário atender ambos os casos. De acordo com Márcio Rafael da Silva, diretor pedagógico do Instituto, “existem algumas estratégias quando trabalhamos com parciais e totais. Quando falamos de totais, o sistema Braile é absoluto nesse processo. Quando falamos de alunos com baixa visão, ou seja, os parciais, materiais ampliados, contrastes diferentes, luminosidade, ângulo de caderno, de livro, isso tudo auxilia no processo de educação”. Há também casos em que, quando notada a progressão da deficiência, o aluno será estimulado a aprender novos métodos que o auxiliem. Alguns alunos com deficiência visual frequentam as escolas regulares e realizam o contra turno na instituição. 
Atleta durante o jogo de goalball, esporte próprio para cegos / Crédito: reprodução/Instituto Roberto Miranda
Silva destaca que para estimular, cada vez mais, a inclusão de alunos com deficiência visual, o Instituto trabalha mostrando a capacidade destes: “o aluno tem total capacidade de desenvolver, aprender como uma pessoa sem deficiência visual. Então, o nosso trabalho aqui é conscientizar a população de que todos são capazes de trabalhar, de estudar. Claro que é preciso algumas adaptações, mas são feitas essas questões de mostrar a capacidade do sujeito com deficiência visual”. 

Ele acredita que o maior facilitador para um processo inclusivo, sobretudo no meio educacional, é o conhecimento, “é o professor se interessar, buscar alternativas, com o apoio da instituição, mas ter esse interesse de ajudar esse aluno, fazer com que esse aluno se desenvolva como ser integrante da sociedade”, conclui. 

Patrick Vieira, aluno do Instituto a dois anos, é integrante do time de goalball (esporte próprio para cegos). Ele comenta que o Instituto é um espaço importante para a pessoa com deficiência visual, porque “a gente aprende a lidar com obstáculos e empecilhos, que ao perder a visão a pessoa acha que é um obstáculo, e quando a pessoa frequenta o Instituto ela aprende a ultrapassar essas barreiras”. Ele também acrescenta que é um espaço acolhedor e que “eles não colocam a deficiência à frente da pessoa, mas a pessoa à frente da deficiência”. 

Instituto Londrinense de Educação de Surdos (Iles) 

O Instituto Londrinense de Educação de Surdos (Iles) teve início em 15 de agosto de 1959, com cinco alunos, sendo considerado uma obra pioneira em ensino especial no Norte do Paraná. A Instituição tem como foco principal as áreas de educação e saúde auditiva, atendendo desde recém-nascidos até idosos. 

O Instituto foi fundado pela professora Rosalina Lopes Franciscão com a colaboração de outras pessoas, em especial do marido. O atendimento é realizado por meio do Colégio Estadual do Iles, que é mantido pelo governo estadual e segue um currículo comum até o ensino médio; e pelo Centro Audiológico, em serviços de saúde com fisioterapeutas, psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, otorrinolaringologistas e neuropediatras. Devido à pandemia, o colégio está fechado temporariamente. 

*O Conectado News tentou contato com o Instituto Londrinense de Educação de Surdos (Iles) mas, devido ao fechamento em decorrência da pandemia, não conseguiu retorno até o momento de publicação desta reportagem. 

Paulo Freire, educador e filósofo brasileiro, fala que “a inclusão acontece quando se aprende com as diferenças e não com as igualdades”. A sociedade é composta pela individualidade de cada cidadão. E quanto mais diversificados, mais rica é aquela. Assim, o Conectados News espera que, ao chegar ao final desta série de reportagens, tenha não só ampliando a discussão sobre o tema, mas reiterado a importância de o fazer. Reiterado, sobretudo, a consciência de que a sociedade em que vivemos só é tão rica na medida em que reconhecemos nossas diferenças e aprendemos e evoluímos com elas. 

#PraCegoVer:

Foto 1: Dois estudantes cegos sentados em uma mesa com um notebook e um livro em Braille. André tateia o livro e Anderson utiliza o computador com leitor de tela. Ambos estão sorrindo. Na foto há o seguinte texto: "É estudante de graduação e precisa de acessibilidade pedagógica? Informe sua necessidade na matrícula ou rematrícula que entramos em contato com você. Se preferir, entre em contato pelo e-mail nac@uel.br." Ao final do cartaz constam as logomarcas da UEL, do NAC e o endereço do site: www.uel.br/nac.

Foto 2: fotografia da fachada da Igreja Nossa Senhora do Silêncio. No canto esquerdo, há uma árvore com os galhos secos. Em cima da porta de entrada da Igreja há uma cruz de metal de tamanho médio. A fachada da Igreja é inteira de vidro e está refletindo o céu claro com as nuvens. Na frente da porta, há um conjunto pequeno de escadas, com poucos degraus e quatro corrimões pretos. No fim das escadas, antes da porta, há um vaso de flores no chão. 

Foto 3: Na foto há um menino em posição que sugere movimento usando camiseta vermelha, calça preta e óculos escuros próprios para a prática do goalball, o qual ele está jogando. Há uma bola azul quase tocando o chão. O piso é da cor laranja e está demarcado com linhas vermelhas, brancas e uma amarela. Atrás do menino há uma rede e atrás da rede há um cartaz vermelho, no qual está escrito paralímpiadas escolares.

Reportagem de Ana Clara Marçal e Ana Clara Marcondes

Até a próxima!
Equipe CN.

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